Gosto dos excessos de tinta no papel,
Das arestas mal lixadas,
Da sua incogruência no amor.
Mas será que não tem limites
minha falta de amor próprio?
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
Ineficácia
Fazíamos planos sem pé nem cabeça,
Sabíamos que não vigorariam
De fato.
Mas fazíamos
Sabíamos que não vigorariam
De fato.
Mas fazíamos
e nisso tudo éramos felizes.
quinta-feira, 28 de julho de 2011
Amor-elevador
Olhamo-nos e num segundo era paixão.
As portas se abriam e no outro era amor, pois me deixavas...
E assim procedia de nos encontrarmos casualmente com um desconserto já muito manjado, premeditadamente fazendo nossas mãos se encontrarem, calculadamente querendo - e não podendo - que não houvesse pitada sequer de malícia ali...
Nosso encontro reticente e efêmero se procedia dentro de um elevador. Tu aspirava a aspirar meu perfume, no cangote, ao menos uma vez. E eu expunha mais e mais o meu pescoço, numa dica sensível a suas pretensões.
Certo dia, não se conteve: fui agarrada ali mesmo, com desespero e ao som do escárnio da musiquinha complacente do elevador. Seu beijo tinha um pouco de gosto do aromatizador de ambientes. Algo que me lembrava de pastilhas de naftalina e essência de baunilha... É, algo assim. Não sei ao certo. Hoje, seu beijo só tem gosto de lembrança. Pior, lembrança de elevador com luz artificial, lâmpada fluorescente refletindo em metal. Se deus existisse, saberia como eu odeio esse tipo de luz.
Seu beijo, muito bom, era também muito edificante. Construímos nossas próprias estruturas, com vigas sólidas e elevadores. Muitos elevadores. E lá subimos, no topo de nossos andares, com vista panorâmica da cidade. Alto demais para que pudéssemos morrer diante daquela vista, mas alto demais para que sobrevivêssemos à queda.
E foi assim que caímos. Do terraço para o térreo - e mais, para o subsolo. Sim, amigo, amor-(de-)elevador tem dessas: quando você acha que vai ficar ruim, fica pior.
Por mais que tentassem, se deu como fato inevitável, tal qual nossa primeira troca de olhares. E no final, do que nos adianta perguntar porque nada se construiu na horizontal, de onde não se cai e se vê por novos ângulos o que já entediava dentro do cubículo, se era mesmo amor-(de-)elevador, amor-macarrão-instantâneo?
Demolimos.
As portas se abriam e no outro era amor, pois me deixavas...
E assim procedia de nos encontrarmos casualmente com um desconserto já muito manjado, premeditadamente fazendo nossas mãos se encontrarem, calculadamente querendo - e não podendo - que não houvesse pitada sequer de malícia ali...
Nosso encontro reticente e efêmero se procedia dentro de um elevador. Tu aspirava a aspirar meu perfume, no cangote, ao menos uma vez. E eu expunha mais e mais o meu pescoço, numa dica sensível a suas pretensões.
Certo dia, não se conteve: fui agarrada ali mesmo, com desespero e ao som do escárnio da musiquinha complacente do elevador. Seu beijo tinha um pouco de gosto do aromatizador de ambientes. Algo que me lembrava de pastilhas de naftalina e essência de baunilha... É, algo assim. Não sei ao certo. Hoje, seu beijo só tem gosto de lembrança. Pior, lembrança de elevador com luz artificial, lâmpada fluorescente refletindo em metal. Se deus existisse, saberia como eu odeio esse tipo de luz.
Seu beijo, muito bom, era também muito edificante. Construímos nossas próprias estruturas, com vigas sólidas e elevadores. Muitos elevadores. E lá subimos, no topo de nossos andares, com vista panorâmica da cidade. Alto demais para que pudéssemos morrer diante daquela vista, mas alto demais para que sobrevivêssemos à queda.
E foi assim que caímos. Do terraço para o térreo - e mais, para o subsolo. Sim, amigo, amor-(de-)elevador tem dessas: quando você acha que vai ficar ruim, fica pior.
Por mais que tentassem, se deu como fato inevitável, tal qual nossa primeira troca de olhares. E no final, do que nos adianta perguntar porque nada se construiu na horizontal, de onde não se cai e se vê por novos ângulos o que já entediava dentro do cubículo, se era mesmo amor-(de-)elevador, amor-macarrão-instantâneo?
Demolimos.
Alienação com garantia em base fiduciária
Se começamos sem confiar
uns nos outros,
Terminamos sem confiar
em nós mesmos.
uns nos outros,
Terminamos sem confiar
em nós mesmos.
Senhor, sim, senhor
Todos sentem
Todos sabem
e ninguém fala
A verdade.
Essa farsa insustentável,
Com a qual já não posso
mais, de estar "tudo bem, sim,
senhor".
Não, senhor, isso não é "bem"
nem bom -
Está tudo como está,
não como deveria.
Abre os olhos e veja!
Todos sabem
e ninguém fala
A verdade.
Essa farsa insustentável,
Com a qual já não posso
mais, de estar "tudo bem, sim,
senhor".
Não, senhor, isso não é "bem"
nem bom -
Está tudo como está,
não como deveria.
Abre os olhos e veja!
Sob as cobertas
E queimar no seu amor imprudente
E queimar no frio do inverno
E queimar,
queimar no inferno desse seu amor frio.
E queimar no frio do inverno
E queimar,
queimar no inferno desse seu amor frio.
O Trambique
Um dia, M. se sentiu diferente. Acordou sabendo as horas, passou sua camisa impecavelmente, deu carinho a sua mulher e foi para o trabalho.
No caminho, chegou na hora para o ônibus e sentou-se do lado de um belo par de coxas e saltou no ponto final sem pisar na lama e não se atrasou.
Sorriu a secretária do chefe, bateu na porta da sala do chefe, ganhou abraço e cafézinho do chefe e começou a coisa do jeito certo: sentado no seu lado da mesa do chefe.
Eis que discutiam o desempenho da noite anterior - a final do campeonato do time do chefe, que passara a ser seu time. E com sua sabedoria recém-adquirida, procedeu de tal modo a crer que ganharia mais que um abraço do chefe a partir do começo do mês: um aumento. Sim, do chefe.
Começou rindo largo o desempenho do colega, A., promovido semana passada. Aumentou e promoveu também sua TV 40' para um home teather muito moderno, seu carro popular para um esportivo, sua noiva para esposa. Atacou, esquivo, pelo flanco direito, as pintagas que chorava sua mulher vendendo roupas - e nisso tudo o chefe concordava e cria. Foi quando tentou driblar a zaga e chegar nas vias de fato que percebeu que, honesto, era muito capaz no que fazia, mas sempre seria insuficientemente pilantra acerca de quaisquer pilantragens.
A., seu comparsa na semana anterior, era também seu Judas. O chefe esperava somente a justa causa.
No caminho, chegou na hora para o ônibus e sentou-se do lado de um belo par de coxas e saltou no ponto final sem pisar na lama e não se atrasou.
Sorriu a secretária do chefe, bateu na porta da sala do chefe, ganhou abraço e cafézinho do chefe e começou a coisa do jeito certo: sentado no seu lado da mesa do chefe.
Eis que discutiam o desempenho da noite anterior - a final do campeonato do time do chefe, que passara a ser seu time. E com sua sabedoria recém-adquirida, procedeu de tal modo a crer que ganharia mais que um abraço do chefe a partir do começo do mês: um aumento. Sim, do chefe.
Começou rindo largo o desempenho do colega, A., promovido semana passada. Aumentou e promoveu também sua TV 40' para um home teather muito moderno, seu carro popular para um esportivo, sua noiva para esposa. Atacou, esquivo, pelo flanco direito, as pintagas que chorava sua mulher vendendo roupas - e nisso tudo o chefe concordava e cria. Foi quando tentou driblar a zaga e chegar nas vias de fato que percebeu que, honesto, era muito capaz no que fazia, mas sempre seria insuficientemente pilantra acerca de quaisquer pilantragens.
A., seu comparsa na semana anterior, era também seu Judas. O chefe esperava somente a justa causa.
Longevidade
eu queria viver pra sempre,
mas você me envelheceu anos em meses
e esse teu tango me cansou,
essa única dança que você sabe dançar
e eu não.
mas você me envelheceu anos em meses
e esse teu tango me cansou,
essa única dança que você sabe dançar
e eu não.
Tragédia
aliás, se eu soubesse que
iria acabar assim,
não importando o que eu fizesse,
teria sido ao menos canalha.
iria acabar assim,
não importando o que eu fizesse,
teria sido ao menos canalha.
Dar de Ombros
A vida é esse solene dar de ombros
Com que se morre a cada dia.
Sua face, agora bonita,
Jazerá com os vermes,
apodrecerá, feia.
E nada fazes perante isso
- verdade absoluta que não te escondem.
Nem nada fará
Ou poderá fazer.
Tu foras concebido, também,
Em um dar de ombros.
Não notarás o amor da sua vida na primeira vez que o encontrar,
Sequer decidirá racionalmente entre todas as escolhas da sua vida
Aquilo que melhor te servirá.
E os cuidadosos que me perdoem,
Mas você provavelmente morrerá
Com um dar de ombros.
(Seu ou de alguém - outro pobre coitado).
Nem tudo na vida a gente faz:
A vida é um passo em falso...
Com que se morre a cada dia.
Sua face, agora bonita,
Jazerá com os vermes,
apodrecerá, feia.
E nada fazes perante isso
- verdade absoluta que não te escondem.
Nem nada fará
Ou poderá fazer.
Tu foras concebido, também,
Em um dar de ombros.
Não notarás o amor da sua vida na primeira vez que o encontrar,
Sequer decidirá racionalmente entre todas as escolhas da sua vida
Aquilo que melhor te servirá.
E os cuidadosos que me perdoem,
Mas você provavelmente morrerá
Com um dar de ombros.
(Seu ou de alguém - outro pobre coitado).
Nem tudo na vida a gente faz:
A vida é um passo em falso...
Alle wir sitzem im selbem Boot
Nós todos sentamos no mesmo barco
E bebemos do mesmo vinho
E quebramos as mesmas regras
E nos cortamos no arame farpado das palavras
Concretas sobre o concreto.
Temos nos traído
Traído de todas
as formas
Traído e caído.
Restamos sós nas mesmas madrugadas frias,
Iludidas por promessas
De vida nova.
Nós sentamos no mesmo barco
E perdemos a compostura
quando ele vira.
E bebemos do mesmo vinho
E quebramos as mesmas regras
E nos cortamos no arame farpado das palavras
Concretas sobre o concreto.
Temos nos traído
Traído de todas
as formas
Traído e caído.
Restamos sós nas mesmas madrugadas frias,
Iludidas por promessas
De vida nova.
Nós sentamos no mesmo barco
E perdemos a compostura
quando ele vira.
Três macaquinhos
Não está em mim,
Não está comigo.
Não quer falar,
Não quer me ouvir,
Então me vira a face.
Não bastou a boa idéia,
Perdão tampouco.
Era preciso uma renúncia
Além dos limites conhecidos.
Você pressupôs contratos
Nunca antes assinados,
Você quis um pacto de sangue...
Não quer falar,
Não quer ME ouvir.
(Não estou contigo,
Não vivo em ti.
Vivo solta, passarinho,
Viro a face, flutuando,
Encontro novo amor.)
Não está comigo.
Não quer falar,
Não quer me ouvir,
Então me vira a face.
Não bastou a boa idéia,
Perdão tampouco.
Era preciso uma renúncia
Além dos limites conhecidos.
Você pressupôs contratos
Nunca antes assinados,
Você quis um pacto de sangue...
Não quer falar,
Não quer ME ouvir.
(Não estou contigo,
Não vivo em ti.
Vivo solta, passarinho,
Viro a face, flutuando,
Encontro novo amor.)
Mácula literária
Você descobre que é escritor quando se atormenta, segurando uma caneta, com duas páginas em branco e o abismo que se forma entre elas até a lombada do livro.
Há, sempre, de macular essa maciez.
Há, sempre, de macular essa maciez.
A máxima da Sensatez
Para aqueles que gostam de máximas morais universalizantes:
anarre o cadarço com dois nós.
anarre o cadarço com dois nós.
A mãe
-- Senhor Downs.
-- Olá. Pode se sentar ali – o psicanalista indicou o divã – e me contar o que está pensando.
-- O que estou pensando? – ela ergue a sobrancelha e virou-se para a parede, de modo a ir se recostando no móvel macio – Ora essa. Eu penso em muitas coisas, Sr. Downs. Penso nas roupas penduradas no varal e a chuva por vir, nos amores que perdi, na medida certa dos temperos. Sim, penso em tudo isso. Sabe, minha mãe me educou do jeito que fora educada – Fez pausa, piscando longamente os cílios. Sua narrativa desacelera – Na época dela, - tentou recordar-se de algo distante, intangível, algo que não vivera – uma mulher não precisava pensar e, se o fizesse, fazia melhor escondendo a ousadia sob as tarefas mais cotidianas o possível.
Se nosso maridos resolvessem, por acaso, dizia ela, assinar um contrato com um homem a quem juramos ter ouvido falar mal entre as conversas na feira, não diríamos que era bom no calote, não. Nossos maridos diriam, nos espantando com a mão: ‘sai daqui, mulher; de dinheiro entendo eu’. Contudo, arranjaríamos nos seus modos um olhar galanteador suspeito não existente, um andar com colônias caras, bengala e abotoaduras condizentes com um esbanjo nunca antes visto – elementos plantados por nossa astúcia que, soprados aos ouvidos de nossos homens, os fariam tremer e, por fim, rascunhados em suas mentes vazias durante o almoço e a noite na cama fria na qual o deixamos a sós com seu orgulho, nossos garotos estariam de novo no caminho certo.
Sim, garotos. Garotos que sugaram os peitos de minha mãe e de mulheres que vieram antes dela, até a Mãe Natureza propriamente dita. Garotos que chegam cansados e suados em casa e que precisam de nós para que lhe demos o que comer. Garotos que brincam com seus filhos como se tivessem idade próxima, garotos que querem brincar conosco, suas mulheres-mães, com aventuras pobres – com amantes que fingimos não saber da existência (e vice-e-versa) só para manter sua canalhice mimada intacta nos nossos braços.
Mulher tem o capeta no corpo. Já ouvi dizer que por trás de toda grande guerra houvesse uma mão feminina iniciando a discórdia. Só o d’abo sabe como mentimos. Mas nem sempre é por mal. Damos nosso peito vazio, seco para que mamem. Seco por causa dos tempos de guerra – guerra entre mais garotos teimosos que brigam pelos melhores postos, lugares, coisas de homem. São garotos brincando de lutinha de espadas que deveiam ser de madeira, ceifando com força a vida de muitos, enquanto concebemos nossos filhos para a nação em nosso quarto. Guardamos para nós o segredo da vida. E é mentindo, alienando a criança de seu leite, que sangramos nossa seiva. Os dentinhos cavam mais fundo na nossa carne pelo alimento e guardamos o grito de dor para um garoto crescido.
Nascemos para ser fortalez de tantos pedidos e necessidades. De demandas infantis. Vejo mulheres fortes nas ruas, mulheres que perto de seus maridos escondem sê-lo, mas deixam a marca indelével na mente de seus filhos, para que nunca esqueçam a natureza real por detrás das coisas da vida. Vejo Capitus, Helenas de Tróia, Cleópatras, Anas e Marias Bolena, Catarinas de Aragão. Vejo mulheres que renunciam de si e que fazem ouvir-se, cada qual a seu tempo... – e respirou fundo, absorta.
O psicanalista segurava o papel e caneta por hábito, pois nada anotara.
--Você acha que um dia vai ser diferente, Dr. Downs? – ela olhava pela janela. Downs não respondia, estava ocupado demais digerindo suas reflexões e as formas de seu corpo harmonicamente feminino e curvilíneo contra a luz.
-- Em casa, deixo meu marido dar a última palavra. Acho que vai ser sempre assim, na verdade. Digo, não somos meros apêndices dos homens – somos nossas, muito nossas -, mas é esse o nosso papel para com eles. É por isso que gostam de nós. De todo modo... – delongou-se, pensativa – é hora de ir, doutor. – disse, pegando a bolsa ao se levantar – Foi um prazer. Até a próxima.
-- Perfeitamente, - respondeu ele, inutilmente levantando-se para lhe abrir a porta.
Pegou, pois, um charuto e pôs-se a pensar, fumando. Afastou o charuto e olhou-o com desconfiança.
-- Maldito seja Freud.
-- Olá. Pode se sentar ali – o psicanalista indicou o divã – e me contar o que está pensando.
-- O que estou pensando? – ela ergue a sobrancelha e virou-se para a parede, de modo a ir se recostando no móvel macio – Ora essa. Eu penso em muitas coisas, Sr. Downs. Penso nas roupas penduradas no varal e a chuva por vir, nos amores que perdi, na medida certa dos temperos. Sim, penso em tudo isso. Sabe, minha mãe me educou do jeito que fora educada – Fez pausa, piscando longamente os cílios. Sua narrativa desacelera – Na época dela, - tentou recordar-se de algo distante, intangível, algo que não vivera – uma mulher não precisava pensar e, se o fizesse, fazia melhor escondendo a ousadia sob as tarefas mais cotidianas o possível.
Se nosso maridos resolvessem, por acaso, dizia ela, assinar um contrato com um homem a quem juramos ter ouvido falar mal entre as conversas na feira, não diríamos que era bom no calote, não. Nossos maridos diriam, nos espantando com a mão: ‘sai daqui, mulher; de dinheiro entendo eu’. Contudo, arranjaríamos nos seus modos um olhar galanteador suspeito não existente, um andar com colônias caras, bengala e abotoaduras condizentes com um esbanjo nunca antes visto – elementos plantados por nossa astúcia que, soprados aos ouvidos de nossos homens, os fariam tremer e, por fim, rascunhados em suas mentes vazias durante o almoço e a noite na cama fria na qual o deixamos a sós com seu orgulho, nossos garotos estariam de novo no caminho certo.
Sim, garotos. Garotos que sugaram os peitos de minha mãe e de mulheres que vieram antes dela, até a Mãe Natureza propriamente dita. Garotos que chegam cansados e suados em casa e que precisam de nós para que lhe demos o que comer. Garotos que brincam com seus filhos como se tivessem idade próxima, garotos que querem brincar conosco, suas mulheres-mães, com aventuras pobres – com amantes que fingimos não saber da existência (e vice-e-versa) só para manter sua canalhice mimada intacta nos nossos braços.
Mulher tem o capeta no corpo. Já ouvi dizer que por trás de toda grande guerra houvesse uma mão feminina iniciando a discórdia. Só o d’abo sabe como mentimos. Mas nem sempre é por mal. Damos nosso peito vazio, seco para que mamem. Seco por causa dos tempos de guerra – guerra entre mais garotos teimosos que brigam pelos melhores postos, lugares, coisas de homem. São garotos brincando de lutinha de espadas que deveiam ser de madeira, ceifando com força a vida de muitos, enquanto concebemos nossos filhos para a nação em nosso quarto. Guardamos para nós o segredo da vida. E é mentindo, alienando a criança de seu leite, que sangramos nossa seiva. Os dentinhos cavam mais fundo na nossa carne pelo alimento e guardamos o grito de dor para um garoto crescido.
Nascemos para ser fortalez de tantos pedidos e necessidades. De demandas infantis. Vejo mulheres fortes nas ruas, mulheres que perto de seus maridos escondem sê-lo, mas deixam a marca indelével na mente de seus filhos, para que nunca esqueçam a natureza real por detrás das coisas da vida. Vejo Capitus, Helenas de Tróia, Cleópatras, Anas e Marias Bolena, Catarinas de Aragão. Vejo mulheres que renunciam de si e que fazem ouvir-se, cada qual a seu tempo... – e respirou fundo, absorta.
O psicanalista segurava o papel e caneta por hábito, pois nada anotara.
--Você acha que um dia vai ser diferente, Dr. Downs? – ela olhava pela janela. Downs não respondia, estava ocupado demais digerindo suas reflexões e as formas de seu corpo harmonicamente feminino e curvilíneo contra a luz.
-- Em casa, deixo meu marido dar a última palavra. Acho que vai ser sempre assim, na verdade. Digo, não somos meros apêndices dos homens – somos nossas, muito nossas -, mas é esse o nosso papel para com eles. É por isso que gostam de nós. De todo modo... – delongou-se, pensativa – é hora de ir, doutor. – disse, pegando a bolsa ao se levantar – Foi um prazer. Até a próxima.
-- Perfeitamente, - respondeu ele, inutilmente levantando-se para lhe abrir a porta.
Pegou, pois, um charuto e pôs-se a pensar, fumando. Afastou o charuto e olhou-o com desconfiança.
-- Maldito seja Freud.
Vitória e derrota sob o Sol
Pegou a arma, sem o absurdo que seria pedir permissão, e escondeu na mochila. Saiu de casa correndo, dizendo que já voltava.
Mentiras, um mundo de sombras construído de mentiras. De tal modo que até mesmo sua visão era turva, os objetos flutuavam ao redor de sua trajetória em velocidade e os fatos seguiam desconexos. Escondia um pouco – o necessário – de cada um, até duvidar do que havia dito e para quem. Não se afirmava por diário: sua realidade era escorregadia. Não lhe apeteciam diários, de qualquer forma.
Poucos – na verdade, ninguém – compreendiam porque remoia tanto o passado. É para que, se um dia confrontada com o que fizera ou deixara de fazer, não se traísse, não fraquejasse na e diante da incerteza. Mastigava os fatos e assim legitimava seu comportamento andarilho.
E corria. Enquanto corresse, pensaria nisso e aonde ir. Lembrou-se de seu segundo lar, a escola do ensino infantil e fundamental. E lembrou-se também, ao parar ofegante na esquina, de que pensava tanto no passado pelo mesmo motivo que a trouxera ali: o passado lhe era caro, sim, em todos os sentidos.
No seu passado, gastara-se. Esbanjara sentimentos, lágrimas, suor, saliva. Marcas de expressão eram o que de mais duradouro havia recebido em troca. Devia seu olhar cansado a elas – e a partir desse era possível ler o que se quisesse ler no resto do corpo, na postura arcada ou ereta. Ainda assim, só podia se agarrar ao passado – sua realidade se estruturava sobre o que um dia já fora realidade. A certeza dos dias passando, do cabelo crescendo, do sol que circunda seu mundo pessoal, dos lábios das pessoas se mexendo e os ecos eternos que geravam...
Não havia deus, havia fatos – e esses podiam ser extenuados em sua graça por uma busca completa, obsessiva pela verdade. A verdade, que se esconde na opulência dos nossos gestos, nos labirintos dos lábios e das perfídias que proferem... Não havia o que não escrutinasse com impaciência.
Deixou-se cair, exaurida, no chão de concreto e encostou-se no muro. Gramíneas repousavam em paz à direita, do mesmo lado em que o sol se punha, atravessando com um raio sua visão periférica. Isso incomodava-a de vez em quando. O muro no qual estava encostada era o do colégio. Se a infância é mesmo um lugar, teria um pedaço daquele chão, daqueles edifícios, do rejunte entre as lajotas. E para sempre estaria ali, com seu nome escrito em alguns tijolos, como se isso tudo bastasse para lhe fazer eterna.
Pois bem. Fugira de casa, com uma arma na mochila. Sentia-se afundar no chão, queria afundar no chão peloamordedeuscomoqueria. Pegou a arma, trêmula, para fazer o que tinha que fazer, o imperativo categórico que lhe soprava o vento no ouvido.
Uma última vez, quis lembrar. Tomada de um vazio completo, esquecera do passado no qual tanto se agarrava – esquecera o nome, de onde vinha e pra onde ia. Abriu os olhos, em busca cheia de agonia. Seu olhar correu os paralelepípedos do estacionamento morto, a mão e o braço com a arma iam relaxando... Recordou de um som, que o vento ajudava a trazer. Recordou a mão calejada; o peso de cinco quilogramas de sua lira (um metalofônico afinado) distribuído pelo talabarte; a marcha insuportável e a postura ereta que só os pedantes conseguiam manter. Aprendera, sim, a mantê-la. A gota de suor que percorria sua espinha abaixo, os gritos do maestro – tudo arquivado. O maestro, é claro, sempre estava certo e, por mais que queimassem sob o sol antes – dias antes – do concurso, teriam de fazer tudo de novo. Recordou-se que o diagnóstico do maestro era ruim. Não ganhariam. Não dessa vez... “Não dessa vez”, repetiu em voz alta.
E na mesma noite, limpara seu instrumento até que brilhasse novamente. Limpara cantando as notas, ritualizando seu sacrifício com o som dos atabaques, pratos e fuzileiros nos ouvidos, compadecendo-se e compartilhando da dor da derrota eminente da fanfarra.
“Não dessa vez, eles diziam...” Reergueu o braço e a mão, revigorada por aquelas memórias de quando lutava inocentemente por alguma coisa, qualquer coisa. “Mas eles estavam errados. Nós marchávamos e ensaiávamos para ganhar, então nós ganhamos.” Suspirou. “Eu estava lá, eu levantei aquele troféu, nós ganhamos. Eu sei que sim.”
E aconteceu.
Mentiras, um mundo de sombras construído de mentiras. De tal modo que até mesmo sua visão era turva, os objetos flutuavam ao redor de sua trajetória em velocidade e os fatos seguiam desconexos. Escondia um pouco – o necessário – de cada um, até duvidar do que havia dito e para quem. Não se afirmava por diário: sua realidade era escorregadia. Não lhe apeteciam diários, de qualquer forma.
Poucos – na verdade, ninguém – compreendiam porque remoia tanto o passado. É para que, se um dia confrontada com o que fizera ou deixara de fazer, não se traísse, não fraquejasse na e diante da incerteza. Mastigava os fatos e assim legitimava seu comportamento andarilho.
E corria. Enquanto corresse, pensaria nisso e aonde ir. Lembrou-se de seu segundo lar, a escola do ensino infantil e fundamental. E lembrou-se também, ao parar ofegante na esquina, de que pensava tanto no passado pelo mesmo motivo que a trouxera ali: o passado lhe era caro, sim, em todos os sentidos.
No seu passado, gastara-se. Esbanjara sentimentos, lágrimas, suor, saliva. Marcas de expressão eram o que de mais duradouro havia recebido em troca. Devia seu olhar cansado a elas – e a partir desse era possível ler o que se quisesse ler no resto do corpo, na postura arcada ou ereta. Ainda assim, só podia se agarrar ao passado – sua realidade se estruturava sobre o que um dia já fora realidade. A certeza dos dias passando, do cabelo crescendo, do sol que circunda seu mundo pessoal, dos lábios das pessoas se mexendo e os ecos eternos que geravam...
Não havia deus, havia fatos – e esses podiam ser extenuados em sua graça por uma busca completa, obsessiva pela verdade. A verdade, que se esconde na opulência dos nossos gestos, nos labirintos dos lábios e das perfídias que proferem... Não havia o que não escrutinasse com impaciência.
Deixou-se cair, exaurida, no chão de concreto e encostou-se no muro. Gramíneas repousavam em paz à direita, do mesmo lado em que o sol se punha, atravessando com um raio sua visão periférica. Isso incomodava-a de vez em quando. O muro no qual estava encostada era o do colégio. Se a infância é mesmo um lugar, teria um pedaço daquele chão, daqueles edifícios, do rejunte entre as lajotas. E para sempre estaria ali, com seu nome escrito em alguns tijolos, como se isso tudo bastasse para lhe fazer eterna.
Pois bem. Fugira de casa, com uma arma na mochila. Sentia-se afundar no chão, queria afundar no chão peloamordedeuscomoqueria. Pegou a arma, trêmula, para fazer o que tinha que fazer, o imperativo categórico que lhe soprava o vento no ouvido.
Uma última vez, quis lembrar. Tomada de um vazio completo, esquecera do passado no qual tanto se agarrava – esquecera o nome, de onde vinha e pra onde ia. Abriu os olhos, em busca cheia de agonia. Seu olhar correu os paralelepípedos do estacionamento morto, a mão e o braço com a arma iam relaxando... Recordou de um som, que o vento ajudava a trazer. Recordou a mão calejada; o peso de cinco quilogramas de sua lira (um metalofônico afinado) distribuído pelo talabarte; a marcha insuportável e a postura ereta que só os pedantes conseguiam manter. Aprendera, sim, a mantê-la. A gota de suor que percorria sua espinha abaixo, os gritos do maestro – tudo arquivado. O maestro, é claro, sempre estava certo e, por mais que queimassem sob o sol antes – dias antes – do concurso, teriam de fazer tudo de novo. Recordou-se que o diagnóstico do maestro era ruim. Não ganhariam. Não dessa vez... “Não dessa vez”, repetiu em voz alta.
E na mesma noite, limpara seu instrumento até que brilhasse novamente. Limpara cantando as notas, ritualizando seu sacrifício com o som dos atabaques, pratos e fuzileiros nos ouvidos, compadecendo-se e compartilhando da dor da derrota eminente da fanfarra.
“Não dessa vez, eles diziam...” Reergueu o braço e a mão, revigorada por aquelas memórias de quando lutava inocentemente por alguma coisa, qualquer coisa. “Mas eles estavam errados. Nós marchávamos e ensaiávamos para ganhar, então nós ganhamos.” Suspirou. “Eu estava lá, eu levantei aquele troféu, nós ganhamos. Eu sei que sim.”
E aconteceu.
sexta-feira, 27 de maio de 2011
Fica entre nós.
Comemos - e há uma mesa entre nós.
Estudamos - e há muitos livros entre nós.
Nos conhecemos - e há amigos entre nós.
Nos casamos - e há uma multidão entre nós.
Estudamos - e há muitos livros entre nós.
Nos conhecemos - e há amigos entre nós.
Nos casamos - e há uma multidão entre nós.
Nos amamos - e nem assim estamos sós:
há carne demais entre nós
E nossas
almas.
No sofá da sala
Um laço de compreensão infinita que se dissipa,
Uma chuva de verão que se esgota -
E mesmo que feita para acabar,
Nos abandona, perplexos.
Uma chuva de verão que se esgota -
E mesmo que feita para acabar,
Nos abandona, perplexos.
Status quo
E tudo o que todos dizem é que estou exatamente onde deveria estar.
E é isso que me mantém coesa.
E é isso que me mantém coesa.
Desconhecido
Meu amor é só uma parte de mim
que ainda não me conhece.
Introduzo-me paulatinamente
em seu coração
para que comece me amando do princípio.
que ainda não me conhece.
Introduzo-me paulatinamente
em seu coração
para que comece me amando do princípio.
Lúcifer
Te pensei verdade-absoluta
para iluminar o meu caminho tempestuoso
E teu raio de sol me fez virar
A cara que nem tapa.
para iluminar o meu caminho tempestuoso
E teu raio de sol me fez virar
A cara que nem tapa.
quarta-feira, 11 de maio de 2011
Um bater de asas, um furacão aqui
Vejo com pouca clareza. Bate no meu peito, no entanto, um motor cardíaco mui semelhante ao vosso e que padece também pelo que não vejo, que sente o impacto até do pouso do lepidóptero menos desajeitado do mundo.
Nove de Fevereiro de 2011
Desaprendi a escrever para outra pessoa que não você. Isso ocorreu certamente porque chegou o momento em que eu fiquei profundamente mergulhada num sentimento atroz da mais pura adoração. Só era bom o que era parte de ti e o era duas vezes mais. Primeiro porque você era inigualável. Segundo, porque o que te integrava possuía o ser meu também - de repente, TODO o seu ser me pertencia, não propriamente a mim,mais a minha veneração, ao meu altar pessoal.
Foi então que desaprendi a escrever at all. Ocorreu que se tornou tão natural a mim que me integrava. Era necessário olhar ao espelho para ver-te e como me sufocava pensar em te perder! Deixei de escrever porque, nesse estágio avançado de minha doença crônica. não era mais necessário que eu me comunicasse. Ou assim julguei. Julguei que esse amor já não encontrava significação na linguagem mortal. Julguei e sonhei com uma eternidade feliz que certamente não me pertence.
Quando arrancou seu pedaço do meu pedaço foi como perder minha versão tátil do paraíso.
Então, desaprendi a amar...
Foi então que desaprendi a escrever at all. Ocorreu que se tornou tão natural a mim que me integrava. Era necessário olhar ao espelho para ver-te e como me sufocava pensar em te perder! Deixei de escrever porque, nesse estágio avançado de minha doença crônica. não era mais necessário que eu me comunicasse. Ou assim julguei. Julguei que esse amor já não encontrava significação na linguagem mortal. Julguei e sonhei com uma eternidade feliz que certamente não me pertence.
Quando arrancou seu pedaço do meu pedaço foi como perder minha versão tátil do paraíso.
Então, desaprendi a amar...
Nunca Resignada
Não, não te idealizo.
(Conheço-te de verso e
de transverso,
Longitudinalmente se o preferir.)
Não, não estou chocada.
(Há de se aceitar, por força,
Que a vida é cheia de ciclos.
Além do mais, sei perder.)
E não, não te ouço
quando você diz que não te sensibilizo mais.
(Minha poesia viveria, sim,
sobreviveria, melhor dizendo,
Mas não pode haver fortaleza sem brecha
Entrada secreta que seja
Ou aríete que não escancare os portões.)
(Conheço-te de verso e
de transverso,
Longitudinalmente se o preferir.)
Não, não estou chocada.
(Há de se aceitar, por força,
Que a vida é cheia de ciclos.
Além do mais, sei perder.)
E não, não te ouço
quando você diz que não te sensibilizo mais.
(Minha poesia viveria, sim,
sobreviveria, melhor dizendo,
Mas não pode haver fortaleza sem brecha
Entrada secreta que seja
Ou aríete que não escancare os portões.)
sexta-feira, 6 de maio de 2011
Persona
Você partiu em sua esquizofrenia,
completa Alice,
Encontrar um Dom Quixote
E outros heróis em escândalo total.
Personagem de livro,
te inventei num ato eufórico.
Você saiu das minhas páginas
E confirmou as predições de um Tirésias qualquer:
Eu te inventei pra me machucar.
Passada a euforia criativa,
A alegria criadora,
Volto aos meus dias só pra constatar
que dei vida efêmera
A um ser feito de palavras,
palavras escritas com nanquim,
arranhadas com bico de pena,
Palavras duradouras.
completa Alice,
Encontrar um Dom Quixote
E outros heróis em escândalo total.
Personagem de livro,
te inventei num ato eufórico.
Você saiu das minhas páginas
E confirmou as predições de um Tirésias qualquer:
Eu te inventei pra me machucar.
Passada a euforia criativa,
A alegria criadora,
Volto aos meus dias só pra constatar
que dei vida efêmera
A um ser feito de palavras,
palavras escritas com nanquim,
arranhadas com bico de pena,
Palavras duradouras.
Ciência Empírica
Nossas bocas vazias se uniram
E formavam um único ser
feito todo de vácuo.
Fizemos uma ciência empírica
Recheada de jogos
para passar o tempo.
Sim, insistíamos nos erros
só pra ver no que ia dar.
e todos nós acabamos
violados pelo vício,
aterrados pelo medo,
consternados pelo vácuo.
(Nosso pequeno monstro se
voltara
E formavam um único ser
feito todo de vácuo.
Fizemos uma ciência empírica
Recheada de jogos
para passar o tempo.
Sim, insistíamos nos erros
só pra ver no que ia dar.
e todos nós acabamos
violados pelo vício,
aterrados pelo medo,
consternados pelo vácuo.
(Nosso pequeno monstro se
voltara
contra
nós.)
03/05/11
Conto de terror
O gosto do novo
Era ansioso,
Era todo insonso.
Olhares frequentes
Para que então se torne urgência.
É, pois, que nossos caminhos se tornaram
Trilhas conhecidas
Ainda que eu precisasse de ajuda
Para não nos perder.
E foi tanta a familiaridade,
que partimos para o velho hábito -
Com que honestidade nos conhecíamos.
Dê dinheiro, mas não dê intimidade:
Sem aprender, foi assim que nos enclausuramos
Em pequenas celas,
Mas que estavam em grandes torres,
Guardadas por muitos dragões.
Assim, não havia herói que aguentasse.
03/05/11
Era ansioso,
Era todo insonso.
Olhares frequentes
Para que então se torne urgência.
É, pois, que nossos caminhos se tornaram
Trilhas conhecidas
Ainda que eu precisasse de ajuda
Para não nos perder.
E foi tanta a familiaridade,
que partimos para o velho hábito -
Com que honestidade nos conhecíamos.
Dê dinheiro, mas não dê intimidade:
Sem aprender, foi assim que nos enclausuramos
Em pequenas celas,
Mas que estavam em grandes torres,
Guardadas por muitos dragões.
Assim, não havia herói que aguentasse.
03/05/11
Sem Caixinhas de Música
Esquece essa tua valsa de amador,
Desfaz esse teu feitiço inerte.
Eu cometo meus grandes feitos
de cara limpa
E eu me intrometo
Desfaz esse teu feitiço inerte.
Eu cometo meus grandes feitos
de cara limpa
E eu me intrometo
sim
na sua
Preciosa vida.
Outono 2011
A partida
E não sobrou nada
de que pudéssemos nos gabar.
foi dolorosa,
A partilhafoi tão custosa.
E não sobrou nada
de que pudéssemos nos gabar.
Hiperventilado
Me chamo vento. Sou leve. Beijo seu rosto sem pretensões – e se existem são aéreas. Sou brisa suave entre seus dedos, faço pressão nos seus lábios. Te envolvo a cada passo, desisto de promessas porque não há mais rota... faço a curva em teus ombros. Sim, estou sempre contigo, moldo-me em seus atos, porém permaneço intocável.
Se fechas a mão, esvaneço por entre seus dedos. Abre-a e me terás novamente. Estapeie-me e me recomporei tão rápido quanto se movimentares. Completo suas inseguranças e imperfeições, sustento-te quando achas que ninguém te apóia.
Me chamo vento, sou efêmero. Sou essencial a sua respiração, sou teu ar em movimento. Me chamo vento. Me esquecerás tão depressa quanto se lembrares de mim. E ainda que se esqueça, precisará – e muito –, logo, ainda assim estarei contigo. Me chamo vento e meu mal é ser invisível.XV de Novembro
E antes que você perceba
nós faremos o mundo colidir
com seus planos pessoais.
E você sentirá que
vale tanto quanto
as pedrinhas
da calçada da XV.
nós faremos o mundo colidir
com seus planos pessoais.
E você sentirá que
vale tanto quanto
as pedrinhas
da calçada da XV.
Dois segundos e uma reflexão
Me olho no espelho,
Só para ter certeza
De quem sou.
Mas dessa vez me olhei no espelho
E não era eu.
No ponto de ônibus, o mudo nos sorriu
E fez entender que (seu) deus sorria também.
Voltei, nauseada,
e restaurei meu caos harmônico.
Mas olhei no espelho
e eu tinha muitas rugas -
envelhecera dez anos talvez -
e, não,
não era eu.
Só para ter certeza
De quem sou.
Mas dessa vez me olhei no espelho
E não era eu.
No ponto de ônibus, o mudo nos sorriu
E fez entender que (seu) deus sorria também.
Voltei, nauseada,
e restaurei meu caos harmônico.
Mas olhei no espelho
e eu tinha muitas rugas -
envelhecera dez anos talvez -
e, não,
não era eu.
terça-feira, 19 de abril de 2011
Força maior
Você não esquece quando aprende que só tem a si mesmo
E que a matéria se decompõe igual
Em qualquer lugar.
E que a matéria se decompõe igual
Em qualquer lugar.
sexta-feira, 25 de março de 2011
Cônjuge não é parente
Celebrei um contrato de mãos apertadas
E sorriso estampado.
Era olho-no-olho,
Assinei sem ler.
(Mas era em fonte dez, Times New Roman,
Que o confesso declarava a verdade
Não vinda de outros lábios.)
Quando fui reler o contrato,
Então assinado,
Manipulei aquela gramática escorregadia
Prima facie amorfa e abstrata
Que se adequadava à hermenêutica que vinha por interesse.
Inaudita mea parte,
Gratia argumentandi a grosso modo,
Estendi as mãos
E perdi os anéis para não perder os dedos,
O orgulho para não perder o amor.
Havia assinado, ora essa!, o contrato mais infame da minha vida.
Um contrato vitalício se de boa-fé,
Bilateral, oneroso e aleatório por definição.
Devia ser paritário, mas as cláusulas já estavam postas!
Aderi esperando que a interpretação me seria favorável, afinal.
Dou-me conta apenas com o representante da Lei
No animus jocandi,
Dizendo: "beije-a! Beije a noiva."
Loucura, vossa Excelência!,
O contrato era matrimonial.
E sorriso estampado.
Era olho-no-olho,
Assinei sem ler.
(Mas era em fonte dez, Times New Roman,
Que o confesso declarava a verdade
Não vinda de outros lábios.)
Quando fui reler o contrato,
Então assinado,
Manipulei aquela gramática escorregadia
Prima facie amorfa e abstrata
Que se adequadava à hermenêutica que vinha por interesse.
Inaudita mea parte,
Gratia argumentandi a grosso modo,
Estendi as mãos
E perdi os anéis para não perder os dedos,
O orgulho para não perder o amor.
Havia assinado, ora essa!, o contrato mais infame da minha vida.
Um contrato vitalício se de boa-fé,
Bilateral, oneroso e aleatório por definição.
Devia ser paritário, mas as cláusulas já estavam postas!
Aderi esperando que a interpretação me seria favorável, afinal.
Dou-me conta apenas com o representante da Lei
No animus jocandi,
Dizendo: "beije-a! Beije a noiva."
Loucura, vossa Excelência!,
O contrato era matrimonial.
Por onde estive
Quando estiver me procurando -
Se algum dia chegar a fazê-lo
-, procure-me onde fizer sentido.
E onde não fizer também, pronto!
Que diabo de obrigação é essa que eu tenho de seguir
Só pra ser coerente, consistente, conivente?!
Estarei onde devo estar, estando bem e de graça
Que mal tem?
Agora mesmo, saiba, estou bem e quase de graça
Num lugar seguro
E quentinho:
lar!
Se algum dia chegar a fazê-lo
-, procure-me onde fizer sentido.
E onde não fizer também, pronto!
Que diabo de obrigação é essa que eu tenho de seguir
Só pra ser coerente, consistente, conivente?!
Estarei onde devo estar, estando bem e de graça
Que mal tem?
Agora mesmo, saiba, estou bem e quase de graça
Num lugar seguro
E quentinho:
lar!
Natus Mortus
Todas as nossas crianças não nascidas,
Nossos abortos espontaneamente
Dirigidos,
Dirigidamente espontâneos...
Uma nação de natimortos!
Nossos abortos espontaneamente
Dirigidos,
Dirigidamente espontâneos...
Uma nação de natimortos!
Terra e Paraíso: dois pesos e duas medidas
Bons tempos aqueles nos quais
Bastava seguir os dez mandamentos
para ser alguém reto, justo.
Hoje, mesmo sujeitos a tantas hermenêuticas,
os Códigos Civil e Penal não dão uma brecha!
Se quer ser moral, arranje um bom
Advogado.
Bastava seguir os dez mandamentos
para ser alguém reto, justo.
Hoje, mesmo sujeitos a tantas hermenêuticas,
os Códigos Civil e Penal não dão uma brecha!
Se quer ser moral, arranje um bom
Advogado.
Antitético
O diabo é um mero recurso retórico;
Um tecido necrótico sob o ponto de vista cristão,
Mas essencial para dar aquele estímulo a mais
Para ser um bom arrebanhado.
Um tecido necrótico sob o ponto de vista cristão,
Mas essencial para dar aquele estímulo a mais
Para ser um bom arrebanhado.
O abraço largo
Quanto mais rápido o poema,
Mais sincero ele é.
Até porque não precisamos de muitas palavras para significar muito:
A abragência se dá pelo não-especificado.
Mais sincero ele é.
Até porque não precisamos de muitas palavras para significar muito:
A abragência se dá pelo não-especificado.
quinta-feira, 10 de março de 2011
Violenta
O meu quarto tem cortinas violetas
O meu quarto está violeta
O mundo inteiro está se violetando.
O meu quarto está violeta
O mundo inteiro está se violetando.
Piggy
Aprenda comigo,
porque este ensinamento tem caráter teórico:
uma vez que você tenha mergulhado as mãos na lama,
Vai querer chafurdar lá até a alma.
porque este ensinamento tem caráter teórico:
uma vez que você tenha mergulhado as mãos na lama,
Vai querer chafurdar lá até a alma.
Metalinguagem
Só sei que não sei nada,
Nem posso querer ser algo
Nem me restam todos os sonhos do mundo.
Nem posso querer ser algo
Nem me restam todos os sonhos do mundo.
Dia-a-dia
Meu dom é não durar mais que o eco das minhas palavras
E por todo o resto do tempo mensurável ainda estar na sua memória.
E por todo o resto do tempo mensurável ainda estar na sua memória.
Premonitório
Todos os nossos beijos seguintes foram iguais ao nosso primeiro beijo: você nunca soube o que fazia ali e eu só precisava que estivesse.
Negligente
Pode ser que até então você tenha se deixado levar, se omitindo constantemente
Pode ser que até então suas escolhas tenham sido feitas sob medo e pressão.
Mas agora que eu te alertei,
Pare de ser covarde.
Pode ser que até então suas escolhas tenham sido feitas sob medo e pressão.
Mas agora que eu te alertei,
Pare de ser covarde.
Sem óculos
vivo nesse isolamento
que eu gosto de confundir com liberdade.
...
agora confessem que vocês ainda não me conhecem.
que eu gosto de confundir com liberdade.
...
agora confessem que vocês ainda não me conhecem.
Confessional
Muitas vezes - quase sempre, na verdade - me custa muito explodir logo de cara.
Vou indo devagar, apreciando a derrocada, quase gostando do infortúnio ou dos maus tratos que sucedem o primeiro tapa. Com os olhos já no verde jade ou no azul real, vou cavando um lugar na consciência, um abrigo protetor qualquer que ao menos comece me escorando de qualquer culpa.
Então, vou me calando. Raramente choro com a obscenidade dos soluços, porque não sou mulher disso. Vou chorando no silêncio mesmo, que é mais amargo. Como não explodo de uma vez, pequenas estruturas vão implodindo em mim. Há algo nos joelhos que faz as pernas bambearem, que me faz tropeçar no vento. Algo nos pulsos que me tira a força, na face, que me remove a expressão e transfigura da calma asfixiante de outrora.
Estou num barquinho a deriva na tempestade dentro dos meus olhos de mar que ardem de sal.
Vou indo devagar, apreciando a derrocada, quase gostando do infortúnio ou dos maus tratos que sucedem o primeiro tapa. Com os olhos já no verde jade ou no azul real, vou cavando um lugar na consciência, um abrigo protetor qualquer que ao menos comece me escorando de qualquer culpa.
Então, vou me calando. Raramente choro com a obscenidade dos soluços, porque não sou mulher disso. Vou chorando no silêncio mesmo, que é mais amargo. Como não explodo de uma vez, pequenas estruturas vão implodindo em mim. Há algo nos joelhos que faz as pernas bambearem, que me faz tropeçar no vento. Algo nos pulsos que me tira a força, na face, que me remove a expressão e transfigura da calma asfixiante de outrora.
Estou num barquinho a deriva na tempestade dentro dos meus olhos de mar que ardem de sal.
Paternon
Nada meu ficará para a alteridade: meus templos ruíram,
coluna a coluna,
ícone por ícone
E foi me faltando a fé,
o fundamento.
Ficaram fendas, fissuras,
Faltas.
O sopro da vida, dos dias, do tempo
Desgastou-me enfim.
coluna a coluna,
ícone por ícone
E foi me faltando a fé,
o fundamento.
Ficaram fendas, fissuras,
Faltas.
O sopro da vida, dos dias, do tempo
Desgastou-me enfim.
Anos de Distorções
Quando tudo der errado, pense num conto dos irmãos Grimm. Originalmente, eles não deveriam terminar bem também.
Napolitano
-gosta mais de qual sabor: morango, baunilha ou chocolate?
-eu acho que gosto mesmo é de problema.
-eu acho que gosto mesmo é de problema.
Quarta-feira de Cinzas
Depois do Carnaval, vem a Quaresma, amiguinhos:
40 dias no deserto com o diabo.
40 dias no deserto com o diabo.
sábado, 26 de fevereiro de 2011
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
Abram-se os parênteses
Parei pra pensar e descobri que só sei amar a ti. Só sei amar desse jeito violado e violento, desse jeito que arrebata corações. Só sei amar aos teus gestos cruéis e com uma dor tão familiar que não mais a estranho. Só entendo fazer as coisas do jeito que você gosta. Esqueci sumariamente como se ama aos outros.
Esporro
Cala a boca e senta aí no canto que você ainda vai ter muito tempo pra pensar no que fizeram de ti sem o teu consentimento.
Ensinamento
Edificar-me-á com tua torridez, amor.
Outras tantas mil serão minhas recomendações desesperadas.
Outras tantas mil serão minhas recomendações desesperadas.
Biblioteca pessoal
Alguém, por favor, extingüa esses cupins e traças antes que roam toda a minha Alexandria, todos os meus escritos, todo o meu todo.
A Evolução da Humanidade*
Safando a própria cara há 450 milhões de anos.
*Título opcional: "Humanidade:".
*Título opcional: "Humanidade:".
Centelha
Um dia você me amou
E muito pouco desse fato me foi dito.
Sobraram só as cinzas da tua paixão crepitante e ardente.
E muito pouco desse fato me foi dito.
Sobraram só as cinzas da tua paixão crepitante e ardente.
terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
Banho de Lama
Diante de um fim de dia, com as mangas arregaçadas,
Haverá sempre a saudade de quando era tudo mais simples.
Desejará um retorno gradativo
à composição orgânica da qual viemos.
Lembrar-se-á disto ao meter as mãos na lama
Da qual somos feitos e da qual temos, afinal, nos envergonhado.
Da impureza à impureza, atravessando a impureza notável dos seus atos,
Notarás sua natureza animal, sua existência instintiva.
E se arrependerás, como regra.
Haverá sempre a saudade de quando era tudo mais simples.
Desejará um retorno gradativo
à composição orgânica da qual viemos.
Lembrar-se-á disto ao meter as mãos na lama
Da qual somos feitos e da qual temos, afinal, nos envergonhado.
Da impureza à impureza, atravessando a impureza notável dos seus atos,
Notarás sua natureza animal, sua existência instintiva.
E se arrependerás, como regra.
Suor
Com todo o teu gasto de saliva,
derramei uma lágrima e
Fui lentamente caindo.
Fui lentamente suando (as lágrimas transfiguradas - água salgada é tudo a mesma coisa) ao caminhar às pressas na rua,
Fui lentamente tragada pra dentro dos teus olhos
e lentamente tragando contigo o cigarro, seguindo a rota própria da fumaça...
Fui lentamente tropeçando,
decrescendo,
enlouquecendo,
afundando
consternada.
Fui me perdendo, decaindo, agonizando,
vivendo uma confusão de amor infinito.
Consternada (essa é a palavra),
fui caindo. Decaindo. E lentamente.
(Cheguei em casa, ainda consternada,
e torci a camisa do suor adquirido. E eu, consternada,
vi o suor pingando.
Pingando.
Caindo.)
derramei uma lágrima e
Fui lentamente caindo.
Fui lentamente suando (as lágrimas transfiguradas - água salgada é tudo a mesma coisa) ao caminhar às pressas na rua,
Fui lentamente tragada pra dentro dos teus olhos
e lentamente tragando contigo o cigarro, seguindo a rota própria da fumaça...
Fui lentamente tropeçando,
decrescendo,
enlouquecendo,
afundando
consternada.
Fui me perdendo, decaindo, agonizando,
vivendo uma confusão de amor infinito.
Consternada (essa é a palavra),
fui caindo. Decaindo. E lentamente.
(Cheguei em casa, ainda consternada,
e torci a camisa do suor adquirido. E eu, consternada,
vi o suor pingando.
Pingando.
Caindo.)
Desafio
É deveras óbvio que não se pode chamar o aborto expontâneo de suicídio pré-natal, mas o que pensar de um cordão umbilical enrolado na garganta?
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
Literatura Contemporânea
Ela seduz com quatro ou cinco linhas no máximo, sem nem perceber.
Sem cor, sem cheiro, sem som.
Você pisca e já gosta.
Sem cor, sem cheiro, sem som.
Você pisca e já gosta.
Externo
Minha alma, finalmente liberta do corpo - obrigação terrena -, foi passear co' a tua no canteiro de flores no meio da avenida.
O problema é que...
eu gosto da idéia da danação eterna. Faz-me pensar que já não importa o que eu faço: deus me ama menos que Jesus, seu filho predileto.
Dos cemitérios
Esse é o propósito de ir a um cemitério, meu amigo. O mundo dos vivos não vai te perguntar porque está chorando. O mundo dos mortos não vai espalhar que não é por ele que tu choras.
Do estilo
Um estilo conciso e àspero
De sentimentalismos abstratos.
Um estilo das engrenagens,
Dos estampidos das armas.
Foi esse estilo com o qual sonhei
Barulhento em todo seu silêncio,
Enquanto sou silenciosa em meio ao barulho que me transpassa.
De sentimentalismos abstratos.
Um estilo das engrenagens,
Dos estampidos das armas.
Foi esse estilo com o qual sonhei
Barulhento em todo seu silêncio,
Enquanto sou silenciosa em meio ao barulho que me transpassa.
Amor sem Fronteiras
Conhecer-te é uma hecatombe dos sentidos. É estar firme e intimamente conectada a tua pele, impregnada de ternura e malícia. Conhecer-te é ato sacro que vicia.
Serás eternamente a criança que quer brincar de roda. (...) No teu girar há náusea e prazer. No teu girar há vida pra ser degustada.
A idéia de que durante esse giro nos fundamos e passemos a integrar o mesmo ser, passamos a ser componentes essenciais da mesma constituição básica molecular nos assusta e nos põe peito contra peito, alma contra alma. Duas crianças admiradas, espantadas com a falta de fronteiras entre todo o seu mais íntimo ser.
Olhamo-nos no espelho, com nossas fissuras, nossas partes faltantes. E sobre os nossos ombros residiu a promessa: "não me magoe".
Serás eternamente a criança que quer brincar de roda. (...) No teu girar há náusea e prazer. No teu girar há vida pra ser degustada.
A idéia de que durante esse giro nos fundamos e passemos a integrar o mesmo ser, passamos a ser componentes essenciais da mesma constituição básica molecular nos assusta e nos põe peito contra peito, alma contra alma. Duas crianças admiradas, espantadas com a falta de fronteiras entre todo o seu mais íntimo ser.
Olhamo-nos no espelho, com nossas fissuras, nossas partes faltantes. E sobre os nossos ombros residiu a promessa: "não me magoe".
sexta-feira, 21 de janeiro de 2011
quarta-feira, 19 de janeiro de 2011
Tormenta
De tudo, só não me peça pra fazer sentido completo
Enquanto a confusão se instaura.
Meus caminhos são tortuosos,
Minhas razões são inescrutáveis,
Minha fortaleza é insondável.
O mar está por dentro
Dos meus olhos.
Enquanto a confusão se instaura.
Meus caminhos são tortuosos,
Minhas razões são inescrutáveis,
Minha fortaleza é insondável.
O mar está por dentro
Dos meus olhos.
domingo, 16 de janeiro de 2011
Quando você sabe que não vai durar.
Um belo dia - por algum motivo
é sempre dia claro nesses casos -
você abre a janela ou um pote
de pêssegos em calda, ou mesmo um livro
que nunca há de ser lido até o fim
e então a idéia irrompe, clara e nítida:
é necessário? Não. Será possível?
De modo algum. Ao menos dá prazer?
E será prazer essa exigência cega
a latejar na mente o tempo todo?
Então, por quê?
(E nesse exato instante você por fim entende, e refestala-se
a valer nessa poltrona, a mais cômoda
da casa, e pensa sem rancor:
perdi o dia, mas ganhei o mundo.
Mesmo que seja por trinta segundos.)
é sempre dia claro nesses casos -
você abre a janela ou um pote
de pêssegos em calda, ou mesmo um livro
que nunca há de ser lido até o fim
e então a idéia irrompe, clara e nítida:
é necessário? Não. Será possível?
De modo algum. Ao menos dá prazer?
E será prazer essa exigência cega
a latejar na mente o tempo todo?
Então, por quê?
(E nesse exato instante você por fim entende, e refestala-se
a valer nessa poltrona, a mais cômoda
da casa, e pensa sem rancor:
perdi o dia, mas ganhei o mundo.
Mesmo que seja por trinta segundos.)
Messias forasteiro
O mundo é teu. Toma aí, pode pegar. Entra, a gente não morde.
(...)
E então? É pra viagem ou vai comer aqui mesmo?
(...)
E então? É pra viagem ou vai comer aqui mesmo?
Surreal
Estás sentada à janela
Ou a beira do abismo.
Aguarda definição impaciente
Enquanto deixa estar, deixa sorrir.
Ou a beira do abismo.
Aguarda definição impaciente
Enquanto deixa estar, deixa sorrir.
Naufrágio
Olhos de mar que ardem do sal que contêm,
Quando voltarás ao continente?
Olhos que abarcam um desafio maior,
Toda a ânsia da sua vida pregressa veleja em alto-mar.
Não há peixe que não se incomode
Com sua passagem ousada, intrépida,
Mas destinada ao eterno morrer na praia.
Olhos de sangue que ferve,
Diz-me ao ouvido:
quem tu odeias?
Quando voltarás ao continente?
Olhos que abarcam um desafio maior,
Toda a ânsia da sua vida pregressa veleja em alto-mar.
Não há peixe que não se incomode
Com sua passagem ousada, intrépida,
Mas destinada ao eterno morrer na praia.
Olhos de sangue que ferve,
Diz-me ao ouvido:
quem tu odeias?
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