terça-feira, 29 de julho de 2014

Bicho acuado


Minha alma volta ao lugar onde minhas partes estão. O único lugar no qual se sente completa, porque precisa de meu corpo para rogar pelos nossos meios de felicidade.
Nenhuma lei se abate sobre mim. Tenho olhos de cobra, couro de leopardo, cauda de leoa, asas de ave de rapina e uma face humana para lhe falar. Todas essas partes funcionam muito bem juntas, obrigada, embora você não possa perceber isto.
Mas terei paciência contigo.
E te mostrarei quão misericordiosa eu sou: só te devoro se quiseres.
Por favor, deixe-me estar aos seus pés.
Preciso deitar.
Estou com indigestão.

Agora percebo como essa história de decifrar é por demais cansativa.


sábado, 21 de setembro de 2013

Virás comigo, eu disse,
para que eu coloque seu
coração em brasa.
O brilho dos teus olhos treme
como o músculo das pernas.
Paralise-lise-lise-se,
que venho para a tortura.

Que te ponho em mangas de camisa
e desafio-te agora.

Decifra-me ou devoro-te.



Devoro-te.
Vem das entranhas o meu desejo
que é maior que tudo
e me engole.
Sou agente dele,
saio de mim
Sofro com teu perfume,
que aspiro como fera.

Agora, decifra-me.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A Corte

No meio da Corte, quem vemos?
Um rei nu e um bobo insano.
O rei pensa que está vestido
E o bobo acha que tem um plano.

Não sabem que o povo faz troça
E sem trégua riem do rei.
O bobo quer enganar com truque:
Em um golpe diz quebrar a Lei.

Quando o rei cai, todos levantam
Ficam ao redor, tampam suas "partes"
Só não é mais ridículo que o louco
Que, ignorado, comete suas artes.

De seu próprio circo, é o palhaço
E manco, cai e faz estardalhaço
Quer que levem a sério sua piada
Mas tropeça com a própria cilada.

A majestade tanto se faz presente,
Mas diz "brioches" a quem não come.
O Eleito, perfeito!, Rei Sol: à guilhotina!
Porque quer brilhar falsamente.

E na tragédia da vida comum
O tipo médio é só mais um:
Não corre à procura de glórias,
Não quer tradição e vitórias.

Carrega consigo a maior responsabilidade
Não conhecida por majestade ou bufão:
No trabalho oculto forja o espírito forte
Que pode, um dia, fazer a revolução.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Athena

Como deve ter custado a Zeus
aquele parto...
A ideia em mim se debate
E no debate morre.

Se contorce e se curva, turva,
Mas a curva é longa.

Como é valiosa
A idéia que sai de ti e cria pernas.
Por ela, abria mesmo a cabeça
com um machado.

Quantos arrepios causa
imaginar uma ideia natimorta!

É como espreitar o precipício vazio
O abismo insondável
Do papel em branco.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Zona Neutra

Bem-vindx a zona neutra,
onde as pessoas não são,
onde os sonhos não se concretizam
e as músicas não soam,
em meio ao motor dos carros.

Aqui, onde o tempo não passa,
você está sempre atrasadx.
Aqui, onde os olhos não vêem,
suas palavras não chegam.

Bem-vindx ao reino do impossível,
onde seus lábios intocados
são enterrados
a sete palmos
E tudo é perfeito.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

tarde

meu cérebro estava encolhendo,
colando em um dos lados da caixa craniana,
sendo chupado de canudinho,
derretendo e se tornando uma goma
asquerosa.

a isso chamavam de vida acadêmica.
noites sem dormir,
conteúdo triturado
descafeinado
mal-aprendido
e absorvido com
ácido sulfúrico.

e olhar para a vida
por detrás de um vidro
translúcido
opaco
tomar um doppio
pedir mais outro
implorar pelo ópio
e mais
e mais
gastrite
e esquecer que o ser humano é feito também de sentimento.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Para a vossa letargia

um momento sensível de silêncio

possam meus olhos tornarem-se fortalezas intransponíveis
e com uma calma paralisante você vir comigo
para um reino no qual se dança em silêncio mas com ritmo próprio

a agitação se despede de meu corpo com uma última chacoalhada
como um corte, profundo, à navalha
para um novo mundo de sangria descontrolada
para o seu desespero

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O que é uma possibilidade?
A possibilidade não é ser, mas também não pode ser não ser.
É entre. É quase nada, com projeção translúcida para o futuro.

Nada como ser uma mera possibilidade na vida de quem você ama.

domingo, 25 de novembro de 2012

Duas noites sem dormir

Olá. Meu nome é desespero e moro no interior.
Minha voz e minhas mãos são trêmulas. Meu coração palpita,
Mas palpita errado.

Na minha hora,
hesitei e errei.

Isso é corrente.
Me acorrente, porque não posso mais...

As olheiras vêm comigo
Companheiras fiéis.
Suporto todos os vícios
E auto-degradação.

A cabeça não funciona mais
Porque meu anseio pela falha é constante.

E no imperfeito, sou perfeito.
Pleno
Desespero.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Nossa Utopia

passarás através de mim
não mais apartado teu peito
enfartados teus mil membros
e nossas gargantas inflamadas
proferirão discursos inflamados
por uma nova ordem social

(tua mordida voraz
ajuda a separar carne da pele
joio do trigo.)
 
começaremos a revolução na nossa cama
e em breve o mundo inteiro aprenderá
a partilhar e gozar conosco.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

filho líquido e certo

célebre cérebro célere concebe mil sonhos-gênios sai pela janela dos fundos grita poesia rola na grama diz que me ama quer dar-me os mundos todos, como prêmios e corre como lebre. quero dançar ciranda meia volta e volta e meia haverá amor na varanda logo após a santa ceia e paro esse poema filho de nossas mãos entrelaçadas.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

no momento, meu mundo -

veja bem,

meu mundo inteirinho -

se resume a uma partícula de pó

orbitando no ar,

esperando.

irritando o nariz alheio e te fazendo espirrar o que sobrou aí dentro.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Os jagunços do Coronel

Os jagunços do Coronel chegaram devagar,
Já com o dia escuro
em vários veículos
Pra desapropriação.

Os jagunços do Coronel
estupram as mulheres,
matam crianças,
humilham os homens.

Os jagunços do Coronel
usam armas de aço,
punhos de ferro,
protetores de acrílico.
Vem de cima
um pássaro de metal.
A lei é o terror.
A ordem é a morte.
Esse progresso é o retrocesso.

Gritam uníssono,
os jagunços do Coronel.
São a tropa de elite,
a tropa de choque,
o osso mais duro de roer,
o bibelô do Governador.

E dentro do gabinete,
onde justiça não há e a luta não se vê,
assina-se o papel com sangue marginal.

28/01/12

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

De bico fechado

Calei. Certo dia, calei.
Calaram-se minhas vozes, pois não era unívoca. Calou-se papel e caneta nos meus dedos e esta escorregou e se perdeu. Por fim, calaram-se meus dedos diante da tela, central de informações corrente e cotidiana.
Calei como o infrator pego no ato, em flagrante. Calei como o professor diante do improvável naquela segunda fatídica de março. Calei como têm feito os chefes de estado sobre os problemas de conjuntura ampla.
Calei-me, no direito de só falar frente a um advogado. Mas podia ser um médico também - bem, qualquer homem gentil e inteligente... Não, não falaria nem mesmo frente a um homem gentil! Chega dessa palhaçada, ora essa.
Calei-me e nisso tenho ido bem. Porque calar é cômodo. Calar é óbvio. Cala aquele que não quer errar, tal a armadilha das palavras.
Em verdade, em verdade, vos digo calei quando tu voltou, filho pródigo. Porque, bem, era realmente muito possível que voltasses, entretanto, não pude fazer nada se não calar. Colei os lábios, relaxei a postura. Meu olhar cai, abandonado e reticente.
Não poderia, pois, jamais externar o que senti quando voltastes? Será proibido e punido coercitivamente?
Calei, sem mais. "Sobre aquilo que não se pode falar, deve-se calar", disse Wittgentstein.
Páginas em branco na minha agenda: do silêncio fiz nova poesia. Calada.

14/08/2011.

Mais sensata do que nunca

Me chamou de louca,
desvairada,
psicopata,
esquizofrênica,
mas não de amor.

Amor?! Qué isso!, amor NUNCA.

Vou considerar como um elogio: obrigada.

17/08/2011.

Homem ao mar!

Vivo onde minha alma se encontra
Sou lúcida como a paixão,
Porque onde há Gabi, tem de haver paixão.
E onde há paixão, há mar e estrelas
e portos com os quais sonham os marinheiros.

No dia em que a Gabi se for,
A paixão deve continuar.
Bem como o mar, as estrelas e os portos
Nos quais novos marinheiros irão atracar.
Contudo, no dia em que a paixão se for,
Esqueça a Gabi.

Gabi será des-significante.
Gabi será abaixo da
média,
Média, comum e medíocre
mil vezes mais que o mar
e as estrelas
e os portos
nos quais os marinheiros
vão se atracar com novas aventuras
sem paixão.

19/08/2011.

Esquizofrenia

(Parte I)

Não há paz no seu jantar,
Você salgou demais a salada
E apimentou a carne
E exagerou no conhaque do molho madeira.

Não há paz no seu amor,
Pois procurastes respostas em madrugadas ao telefone,
Bilhetes de adeus nos seus livros,
Justificativas absurdos pro nosso mundo particular.

(Parte II)

Mas também não há felicidade
Nas minhas fugas efêmeras,
Nos meus matinês sem você.

Não há alegria nas minhas manhãs sem perspectivas,
Nos beijos à face consternada que carrego contra o frio.

Por fim, não há amor entre nós.
Pode mesmo ser que nunca tivesse havido.

Demos as mãos a um tremendo engano
E aí rodamos nossa ciranda.

Meu amor queria só um par...
Giramos até colidir com a realidade.


20/08 e 24/08/11.

Dos natáis, o menos pior: o do eu

Gabi não tem mais passado.
Gabi não é admiravelmente nova, como um recém-nascido, mas não tem história, não tem memória pra contar à mesa na ceia de Natal.
Gabi tem gosto amargo na boca, olhos arregalados prum mundo de poucas surpresas.
Gabi já não sabe da mentirosa que a iludiu e das mentiras que contou ao iludido. Já não faz diferença.
Gabi nadou demais pra morrer na praia. Gabi não faz reflexão acerca do peru passado, presente e no ponto ou cru e ambulante.
Gabi só tem sobrevivência em feriado hipócrita.
Se era assim que você queria, por deus, eu dizia, assim seria. Não ousaria ser diferente, não inovaria tua palavra. Seu amor fazia círculos lentos na minha nuca.
Dizia que eu não precisava lutar por nada, mas como eu sentia que sim!, precisava. Do fundo do meu íntimo, era isso que minha constituição mais básica gritava.
Não se podia ter algo tão bom assim com alguém, de graça, sem revés, sem pagar. Nosso amor era mais do que proibido.
Minha alma espera por ti. Anda nas ruas procurando um relance dos teus trejeitos, busca no teu olhar uma dica. Uma palavra e me estremecerá, uma palavra e ressuscitarei.
E o medo de perder-te? Tenho remoído entre meus dentes a paranoia de que algum dia tua carne se esquive da minha...
Não me vistes exortando teus ensinamentos, não me vistes flagelando-me em angústia, gritando e chorando e me arrependendo.
Teus olhos têm me derretido... Ah, amor. Como é difícil amar e - mais difícil ainda - ser amado de volta. A gente se acostuma a dar, somente, sem cuidar do que se recebe, só porque um dia acabaria, inevitavelmente....

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Arestas Farpadas

Gosto dos excessos de tinta no papel,
Das arestas mal lixadas,
Da sua incogruência no amor.

Mas será que não tem limites
minha falta de amor próprio?

Ineficácia

Fazíamos planos sem pé nem cabeça,
Sabíamos que não vigorariam
De fato.


Mas fazíamos
e nisso tudo éramos felizes.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Amor-elevador

Olhamo-nos e num segundo era paixão.
As portas se abriam e no outro era amor, pois me deixavas...
E assim procedia de nos encontrarmos casualmente com um desconserto já muito manjado, premeditadamente fazendo nossas mãos se encontrarem, calculadamente querendo - e não podendo - que não houvesse pitada sequer de malícia ali...
Nosso encontro reticente e efêmero se procedia dentro de um elevador. Tu aspirava a aspirar meu perfume, no cangote, ao menos uma vez. E eu expunha mais e mais o meu pescoço, numa dica sensível a suas pretensões.
Certo dia, não se conteve: fui agarrada ali mesmo, com desespero e ao som do escárnio da musiquinha complacente do elevador. Seu beijo tinha um pouco de gosto do aromatizador de ambientes. Algo que me lembrava de pastilhas de naftalina e essência de baunilha... É, algo assim. Não sei ao certo. Hoje, seu beijo só tem gosto de lembrança. Pior, lembrança de elevador com luz artificial, lâmpada fluorescente refletindo em metal. Se deus existisse, saberia como eu odeio esse tipo de luz.
Seu beijo, muito bom, era também muito edificante. Construímos nossas próprias estruturas, com vigas sólidas e elevadores. Muitos elevadores. E lá subimos, no topo de nossos andares, com vista panorâmica da cidade. Alto demais para que pudéssemos morrer diante daquela vista, mas alto demais para que sobrevivêssemos à queda.
E foi assim que caímos. Do terraço para o térreo - e mais, para o subsolo. Sim, amigo, amor-(de-)elevador tem dessas: quando você acha que vai ficar ruim, fica pior.
Por mais que tentassem, se deu como fato inevitável, tal qual nossa primeira troca de olhares. E no final, do que nos adianta perguntar porque nada se construiu na horizontal, de onde não se cai e se vê por novos ângulos o que já entediava dentro do cubículo, se era mesmo amor-(de-)elevador, amor-macarrão-instantâneo?
Demolimos.

Alienação com garantia em base fiduciária

Se começamos sem confiar
uns nos outros,
Terminamos sem confiar
em nós mesmos.
É mais difícil continuar vivo do que morrer.

Senhor, sim, senhor

Todos sentem
Todos sabem
e ninguém fala
A verdade.

Essa farsa insustentável,
Com a qual já não posso
mais, de estar "tudo bem, sim,
senhor".

Não, senhor, isso não é "bem"
nem bom -
Está tudo como está,
não como deveria.

Abre os olhos e veja!

Sob as cobertas

E queimar no seu amor imprudente
E queimar no frio do inverno
E queimar,
queimar no inferno desse seu amor frio.

Sete dias...

E você, que não morre?!

O Trambique

Um dia, M. se sentiu diferente. Acordou sabendo as horas, passou sua camisa impecavelmente, deu carinho a sua mulher e foi para o trabalho.
No caminho, chegou na hora para o ônibus e sentou-se do lado de um belo par de coxas e saltou no ponto final sem pisar na lama e não se atrasou.
Sorriu a secretária do chefe, bateu na porta da sala do chefe, ganhou abraço e cafézinho do chefe e começou a coisa do jeito certo: sentado no seu lado da mesa do chefe.
Eis que discutiam o desempenho da noite anterior - a final do campeonato do time do chefe, que passara a ser seu time. E com sua sabedoria recém-adquirida, procedeu de tal modo a crer que ganharia mais que um abraço do chefe a partir do começo do mês: um aumento. Sim, do chefe.
Começou rindo largo o desempenho do colega, A., promovido semana passada. Aumentou e promoveu também sua TV 40' para um home teather muito moderno, seu carro popular para um esportivo, sua noiva para esposa. Atacou, esquivo, pelo flanco direito, as pintagas que chorava sua mulher vendendo roupas - e nisso tudo o chefe concordava e cria. Foi quando tentou driblar a zaga e chegar nas vias de fato que percebeu que, honesto, era muito capaz no que fazia, mas sempre seria insuficientemente pilantra acerca de quaisquer pilantragens.
A., seu comparsa na semana anterior, era também seu Judas. O chefe esperava somente a justa causa.

Longevidade

eu queria viver pra sempre,
mas você me envelheceu anos em meses
e esse teu tango me cansou,
essa única dança que você sabe dançar
e eu não.