sexta-feira, 30 de abril de 2010

Mono

Mono é um suspiro
e o dar de ombros:
não deu.

Máquina de Café

Era sempre eficaz a
Máquina de café,
Oásis de noites mal-dormidas.

Era sempre tão vilã a
Máquina de café,
Reduto dos desesperançosos.

Real, era sempre tão real a
Máquina de café
Produto de uma má-sucedida
Revolução Industrial.
(E no seu líquido selvagem e marrom
O sabor acre e salgado da ferrugem e da fuligem
De todos os dias.
E nas suas moedinhas tintilantes
Ao menos um negócio bem feito
E a garantia de insônia.)
Na máquina nós confiamos.
(In machine we trust.)

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Drama do Vigia

Não era mestre em nada,
Era doutor de porcaria nenhuma.
Escutava seu samba com o CD riscado
Nas músicas que mais gostava, em suma.
Nos olhos já vidrados
E guiados pelo café,
A agitação da vida interior
De longos domingos sem fé.
Mas era sempre o mesmo senhor
Qu'estava ali.
É,
Era sempre o mesmo humor
Que restava ali.
E, de tempos em tempos, seus filhos lho ligavam
Com a desculpa despretenciosa de que o dinheiro acabara.
Porque, de tempos em tempos, ele enchia a cara
com o mesmo pouco dinheiro que lhe pagavam.
E era sempre a mesma vida levada
Por um homem que não admitia viver sem sua mulher.
Sempre a mesma vida pesada
De quem não sabe o que quer.
Acredite,
era sempre o mesmo senhor
qu'estava ali, é, era sempre
o mesmo humor que eu sempre vi.
Só e com seu pingado cinza,
Ele guardava os carros de sua cidade cinza.
Transtornado pela falta de alma,
As luzes que piscavam dilatavam seu humor ranzinza.
(E era sempre o mesmo senhor qu'estav'li.)
Assim como o CD riscado -
Riscada era a vida nas partes poucas que gostava,
Sendo tudo mais entediante
Do que deveria, por outro lado.
Ele nunca descansava da vigília
Mesmo até do alto do seu prédio, com o fog londrino.
Um dia, ele foi até a borda
E caiu retamente para voltar a ser menino.
15/04/10.

Sussurro

Porque do amado só peço que esteja comigo.

Se for bonito e eu cegar,
Se tiver boa voz e eu ensurdecer,
Se só me ouvir e eu emudecer,
Se tiver pele boa e eu perder as mãos
E até as pernas, de forma que só lhe seja peso,
Saberei, então, que não é pena
Isso é amor.
12/04/10

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Amor a longo prazo

Agora, como nunca, amo-te.
Assim que teus olhos passam por este ponto,
Torno a te amar mais que nunca.
Agora, como sempre, amo-te.
Não no fim ou no início, mas no sempre irremediável que há nas lembranças.
Agora, acima do tudo e do nada,
E com a força poderosa do que é
inevitável e há de ser,
Amo-te
indolor.

Ousadia

Amei, amei e morri.
Foi assim que vivi
e é assim que ouso dizer
que vivi.

Amei amores
que nenhum mortal
ousa alcançar.
Amei amores de profundezas e intensidades
desconhecidas.
Amei como quem confessa ao ouvido,
Amei tanto que deus teve inveja
E, por ter inveja e não poder mostrar que peca,
Arruinou e condenou.
Amei com verdade no sangue
E quando disse que amo,
disse a verdade - não importando
o que viesse depois.
Amei de corpo e alma - descobri
que de corpo era mais fácil.
Amei não só com amor,
mas com raiva e desespero,
senão ousadia.
Amei e morri pelo amor.
Por alguns momentos, fui distante,
como quem ama ao longo de uma vida.
Por alguns momentos, fui presente,
como quem não quer deixar esquecer.
Amei, amei e morri pelo amor,
Todavia, hoje eu tenho a ousadia de dizer
que nunca foi em vão.
12/08/09

III

Deitai teus lábios nos meus, ressuscitai a canção da vida nova. O coração me é a batida, teus lábios são-me a melodia. E é na harmonia dos nossos corpos que dançam que eu encontro minha própria fé.
Minha religião é feita de noites longas. Meu dogma central sou eu mesma.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Insônia forçada

Sonha, pequena, sonha tanto
Que beira a madruga insone;
Relógios que não param.

Desafia o corpo,
Estica os braços
E torna a pensar
Na vida que não foi e que podia ser.

Imagina dias férteis junto ao mar e ao sol,
Com o mesmo corpo que maltratas agora,
Dando-lhe frutos de bem-estar.

Respira bem fundo à beira do abismo,
Quase tornas a desistir das ideias.
Adia, só adia planos
E anseia pelo que é bom e está por vir.

Anseio de insônia forçada,
Volta a escrever, menina!
Volta à tarefa de redação
Que não é poema nenhum.

21/10/09.

Cantiga para o dia raiar

Seremos um ao outro pela vingança
E estaremos ambos sedentes
Sem poder tomar parte.

Bendita sois vós, mentira,
Eu também tenho orgulho de partilhar
Da podridão dos meus dias.

Seus lábios nos meus,
deixai o infortúnio acontecer.
Seus lábios nos meus,
faremos o ódio crescer.

Pensando em você, meus dias se passam.
A canção é infinita e, na noite,
Veremos o medo ressurgir.

Seus lábios nos meus,
deixai o infortúnio acontecer.
Seus lábios nos meus,
faremos o medo crescer.

Arrastando-se em nós,
eis a morte
com um poder e um potencial
Que seduz e atrai.

Seus lábios nos meus,
deixai o infortúnio acontecer.
Meus amores são de verdade.
Seus lábios nos meus e
matarmo-nos iremos uns aos outros,
todos nós.