segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Ousa - Discurso de Formatura (Feras 2010)

Desejo boa noite aos professores, aos meus colegas e aos seus familiares e amigos. Hoje é uma noite de comemoração. É o momento em que ocorre a efêmera intersecção entre dois ciclos. Ciclos que não são opostos, são complementares. Nossas caminhadas, únicas por si só, se encontram nessa cerimônia para algo que fará parte da vida de todos nós, feras. Somos quinhentos! Não são times de futebol que nos unem, nem posicionamentos políticos ou bandas. Estamos aqui porque, mesmo que um dia nossas vidas se separem, todos nós, sem exceção, nos transformamos.
Senhoras e senhores, permitam-me uma metáfora. Escolham um entre todos os bebês que devem ter nascido neste exato momento. A primeira coisa que ele certamente fez foi chorar. Chorar porque, pela primeira vez em sua curta e suave existência, o ar preencheu seus pulmões. A consciência nos é dada: eis o “sopro da vida”. E, mesmo não nos lembrando mais disso, aprendemos com esse choro que nos acostumamos às adversidades da vida em pouco tempo. Segundo Sartre, a existência precede a essência. Se for assim, o choro foi só a primeira das transformações que teríamos para ser o que somos hoje.
E o que é o terceirão se não esse choro? Sartre, em sua obra O Existencialismo é um humanismo, propõe que o homem está condenado a ser livre. Sim, estamos. E essa liberdade nos traz responsabilidades, compromissos. Nossos próprios professores, por exemplo, nunca nos deixaram esquecer de que na hora da prova não tem pai, nem mãe, nem vale transporte. Ensinaram-nos que nessa hora não podemos perder a calma, do contrário, estaremos abandonando ao que construímos, tijolo a tijolo. Também é fundamental para o uso correto da liberdade o apoio da família – que nos carregou nos braços pela longa infância humana e nos construiu com cada lição.
O que falar dos amigos, então? Há aquilo que sabemos sem que sejam necessárias palavras! Eles não têm limites para o que podem fazer por nós. Dedico-lhes uma breve citação cujo autor me é desconhecido: “eu suportaria, não sem dor, que os meus amores partissem, mas enlouqueceria se os meus amigos morressem”. É a eles que eu aconselho que chorem caso estejam verdadeiramente emocionados. Chorem muito. Essa será uma daquelas poucas oportunidades para chorar como uma criança e ser recebido nos braços de seus familiares como se todos aqui tivessem nascido de novo. Purificados por esse ritual de passagem que é a formatura. Fortalecidos e unidos para o que está por vir, porque, apesar de tudo, não há condenação melhor que ser livre.
O que passamos foi uma jornada de autoconhecimento, ainda que ao acaso, no microcosmo de 10 meses de existência que é o terceirão. Os professores sabem que ele sempre se desorganiza e volta no ano seguinte, com personagens novos. Mas o que nós vivemos vai sempre nos parecer incomparável, original. Não bastou nos atirar com afinco ao trabalho. Há um momento no qual parece não haver mais forças. Estávamos cansados. Talvez nem sempre estivéssemos preparados para o jeito como o tempo passou. Nossa paciência, nossa resistência e quem sabe até mesmo nossa ambição foram testadas nas aulas com as quais não tínhamos a menor afinidade. Usamos obrigatoriamente da liberdade e observamos, então, que se fez necessário algo mais que conhecimento. Algo que não se encontra em apostilas por aí. Algo que agora sabemos que conquistamos para nós. E para tal não adiantou ser uma pessoa positiva ou achar que tinha o dom. Tinha que ser aluno BOM. E é por isso que enquanto eles têm número, nós temos performance e não saímos do Bom Jesus só futuros senhores mestres ou doutores. Não foi só um ano de vocações despertadas. Nós aprendemos sobre o mundo ao nosso redor, dentro de uma sala de aula, sem nos dar conta de que o que aprendíamos era sobre nós mesmos. Sobre o nosso país, sobre o nosso corpo, sobre o nosso cotidiano, sobre como nos expressávamos. E não é mesmo que tudo isso valeu para o “prosseguimento da nossa carreira estudantil”?
Essa lição eu aprendi olhando para aqueles quadros com as fotos das formaturas dos anos passados e que ficam nas paredes da coordenação. Ela se trata de algo que não podem mais tirar de nós, já faz parte da nossa essência. Regis Jauffret, escritor francês, descreveria melhor com apenas uma frase: “Estarei sempre lá: a infância é um lugar, não uma época”. Nós fizemos história no Bom Jesus, meus colegas! Uma parte de nós estará sempre lá, naquelas paredes, onde nunca envelheceremos, encarando com satisfação a todos aqueles que ousarem querer estar no nosso lugar. Um belo dia nossos filhos encontrarão as fotografias que guardamos de hoje – e que, por favor, se faça lembrar: primeiro de dezembro de 2010 - e entenderão que são memórias de nossos melhores dias.
Ademais, daqui para frente é conosco. Uma vez que adquirimos maturidade e liberdade para decidir nosso futuro ao longo do ano, também temos a capacidade de fazer nossas escolhas valerem a pena. Não esqueceremos tão cedo o que é ser um fera. Através da minha boca eu deixo que o poeta curitibano Paulo Leminski encerre esse discurso: “isso de querer ser exatamente o que a gente é ainda vai nos levar além”.

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